quarta-feira, 29 de julho de 2009

Crítica de Suicidas


Segue abaixo uma crítica do meu livro Suicidas, escrita pela Lilian em seu blog Livros, Bate-Papo & Cia. O link do blog é esse: http://livrosbatepapo.blogspot.com/


Lá vai:


"Hoje farei uma resenha diferente...
Vou falar de um livro que (ainda) não existe! Não, eu não fiquei louca: o livro de hoje é Suicidas, ainda não publicado e escrito por Raphael Montes, um amigo recém encontrado na comunidade Amantes do Romance Policial, no Orkut.
Não sou muito experimentada na leitura do gênero, mas geralmente os romances policias seguem, digamos assim, uma fórmula ou estrutura: ora o detetive inteligente que tira suas conclusões de acordo com os fatos, ora o policial durão e sofrido que luta para desvendar o crime. Em linhas bastante gerais, é isso. (Quem for mais experiente do que eu na leitura de romances policiais e não concordar, por favor se manifeste!)
Suicidas, porém, foge a todas essas fórmulas mais ou menos conhecidas. Intriga porque não revela logo a que veio, porque não apresenta nenhum detetive de cara, e acima de tudo, porque é um romance policial sem ter a mínima pinta de um - pelo menos no começo!
Nove jovens são encontrados mortos no porão da casa de campo que pertencia aos pais de Zak, que fazia parte do grupo. Todos cometeram suicídio. Bem-nascidos, universitários, o tipo de pessoa que o senso comum diria que "tem tudo pela frente". O que os teria levado a participar daquela roleta-russa?
Para tentar encontrar uma resposta, a psiquiatra que colabora para o caso reúne as mães das vítimas para a leitura das anotações que foram encontradas no local dos suicídios e que seriam de um livro que Alessandro (um dos jovens mortos e melhor amigo de Zak) escreveu durante os acontecimentos no porão. Discutindo essas anotações, a psiquiatra espera chegar a alguma coisa que leve à solução do (ou dos) enigma(s).
Alternando entre os registros da reunião e as anotações de Alessandro, a história vai nos levando a uma crescente incógnita. Eu confesso que não conseguia formular nenhuma teoria sobre o que motivou a roleta-russa no porão, sobre o final, sobre nada! A grande questão que pairava em minha mente era: "Aonde o autor quer chegar? Pra onde vai essa história?" E também não conseguia deixar de querer ler tudo - e logo!
Raphael constrói personagens absolutamente amorais e imprevisíveis. Nada do que você imagina ser o final chega perto de ser o que é. A cada capítulo, um novo elemento vai sendo revelado sem que o leitor consiga encaixar as peças no grande quebra-cabeças que é Suicidas. Forte. Chocante. Bem escrito. Surpreendente!
Raphael é um talento que merece ser revelado ao público leitor brasileiro e, acima de tudo, que merece ser publicado. Espero que alguma editora perceba isso em breve e trate de trazer seu romance à luz! Enquanto isso, deixo vocês todos, meus queridos leitores, morrendo de curiosidade. Suicidas é muito bom!"

Princesinha do mar


Girou as rodas de sua cadeira, passando pela portada do hotel e atingindo a rua. Já era noite. O céu, pouco estrelado, maquiava-se com dispersas nuvens cinzentas. Jogou a cabeça para trás e respirou fundo, sentindo a brisa do mar bater em seus cachos avermelhados, balançando-os feito molas. Colocando força nos braços, adiantou mais ainda sua cadeira de rodas e, à luz dos refletores, observou a imensidão azul. Na areia, um grupo de negrinhos jogava o futebol e, na calçada, com ondas em preto e branco cuidadosamente cravadas, estavam as barracas. Ali era Copacabana. A orla estendia-se ao infinito e, diante dele, materializava-se a imagem do paraíso. Fechando os olhos, ouviu o barulho dos carros passando à toda velocidade na sua frente e sorriu. Aquele som, tipicamente urbano, lembrava-lhe sua infância em Dorchester, subúrbio de Boston. Lembrava-lhe a inocência de um sonho néscio. Lembrava-lhe as anedotas dos outros meninos em relação a sua deficiência. Deu uma risada sonora ao lembrar-se de seu tio Teddy. Robusto, barbudo, olhos claros como os de um gato sorrateiro. Tinha dez anos quando seu tio o perguntara o que pretendia ser quando adulto. Ele, tolamente, respondera: “Quero ser um super-herói." Sua memória, arguta, ainda se recordava, em detalhes, da expressão do tio ante a resposta: Franzira o cenho e estalara os dedos, como de costume. Temperara a garganta e agachara-se para ficar à sua altura e então, sem ter o que dizer, sorrira. Um sorriso de dúvida. De piedade...

Ele lera em algum lugar que “o homem nunca será feliz, pois sempre busca algo que não pode alcançar. Se o consegue, logo tem seu desejo modificado para outro algo então inalcançável”. Enfim, não estava tão errado, pois, assim como era natural que o mudo desejasse em falar, lhe parecia instintivo que ele, entrevado naquela maldita cadeira metálica desde que nascera, almejasse, por um instante, voar livre como os pássaros e, se possível, salvar vidas como um herói das histórias em quadrinhos que lia com tanto afinco e torpor.

Recuperando-se das garras de seu pensamento, abriu os olhos e arqueou as sobrancelhas, observando os passantes. Namorados apaixonados, bêbados comemorando o nada, idosos apreciando, talvez pela centésima vez, uma noite no Rio de Janeiro. Tornando a cabeça para trás, observou a imponente estrutura de seu hotel. A extensa fachada branca ocupando metade do quarteirão, a porta imponente decorada com detalhes fitamórficos, e, no centro, em letras douradas, o nome: Copacabana Palace Hotel. Respirou fundo novamente, sentindo a corrente de ar e agradecendo aos céus aquela momentânea solidão. Há poucas horas atrás, estava lá dentro do hotel, no grande salão, tirando fotos e conversando com fãs sobre o lançamento de seu mais novo livro em quadrinhos. Gargalhou novamente repensando o quão irônica era a vida. Através de sua imaginação, escrevera livros de super-heróis de considerável sucesso e tornara-se, então, um famoso escritor. Sua criatividade fora avivada o bastante para retratar no papel o que aspirava realizar fisicamente. Pois, apesar de tudo, ele ainda sentia, em seu âmago, uma pontada de sua vontade infantil. Não era completamente feliz... Mesmo no auge de sua carreira e de seus quarenta anos, ainda ambicionava ser o herói de alguém como nos sonhos de outrora... Nem que fosse por alguns segundos fúteis... Nem que fosse para um fútil alguém...

“Hi” – disse uma menina que se aproximara dele – “English speak?”

O escritor abriu os olhos e examinou-a. Ele a vira, pouco antes, encostada no capô de um carro, passando um batom vermelho diante de um espelhinho. Parecia ter uns treze anos. Vestia uma saia curta deixando a calcinha à mostra. Usava um “tomara que caia” dourado e brilhante. O rosto, infantil, fora manchado por um lápis preto sobre os olhos perdidos e um batom extravagante nos lábios finos.

“Fuck?” – perguntou a menina observando o homem estudar seu corpo e arrebitando a bunda.

O homem abriu os olhos, observando a criança. Sentiu a mão infantil passear em suas costas.

“How old are you?” – perguntou, sem entender.

A prostituta pareceu confusa e murmurou a mentira:

“Dezoito. Posso fazer isso, tá? Speak portuguese?”

“No” – respondeu, agitando os braços.

“Ô gringo, eu vi que tu tava me olhando e vim aqui pra ver se rola. Bora logo!” – disse, sem paciência.

Empinou a bunda novamente e disse:

“E então, fuck?”

O escritor ficou mudo em sua cadeira. Observando a criança.

“Trinta pilas. Thirty... Entende? Thirty reais!” – explicou, fazendo um 3 e um 0 com as mãos.

O homem anuiu, sorrindo. Segurou a mão da menina e deslizou-a pelo seu rosto com a barba por fazer.

“Gringo safado! Eu sabia!” – disse, posicionando-se detrás da cadeira e empurrando-o por uma rua escura. Entraram por uma portinhola com uma placa onde estava escrito em letras reluzentes “Motel” e, sem esperar, arranjaram um quarto do primeiro andar. Girando as rodas freneticamente, aproximou-se da cama e jogou-se no colchão. Observou a menina rebolar diante de seus olhos e, lentamente, despir sua escassa vestimenta. Primeiro, tirou a blusa revelando a pele amorenada, queimada pelo sol. Alisou os seios ainda em formação e fez expressão de desejo.

“You to the States” – disse o escritor apontando para a prostituta.

“Você? Me levar pro estrangeiro?” – perguntou a criança desconcertando-se, por um segundo, de sua dança sensual.

“With me. To the States.” – repetiu, chamando a prostituta para a cama. A menina aproximou-se, atônita, de seu cliente já desnudo. Olhos arregalados como uma criança que acaba de ganhar bombons. A seriedade adulta rendendo-se à crendice infantil.

“Está falando sério? Vai mesmo me tirar disso aqui?” – perguntou, sorrindo.

“What?”

“Me and you” – disse ela usando o inglês que aprendera com outros clientes – “To the States. Family?”

“Yeah! A family. You will be my wife and we’ll be happy together!” – respondeu, descendo a mão pela barriga da menina.

A criança alegre, vislumbrou seu futuro promissor enquanto posicionava-se sobre o cliente. Fechou os olhos e, durante todo o ato carnal, imaginou como poderia ser feliz com aquele homem. Pouco importava que ele parecesse seu pai. Pouco importava que ela tivesse apenas catorze anos. O que importava é que, naquele branquelo de cabelos ruivos gritando de prazer, estava sua chance de uma vida melhor. Alimentada pelas palavras incompreensíveis de seu cliente, a prostituta transou enquanto sua mente passeava no paraíso entre carros de marca e roupas de grife. Por fim, adormeceram. Nus, sobre o lençol branco do motel. Como um pai que põe a filha para ninar. Ao acordar, o escritor observou a menina ao seu lado. O corpo moreno contrastando com o lençol. Os cabelos castanhos escondendo os olhos. O sorriso no rosto materializando a sensação do sonho. Sonho que ele ajudara a construir por palavras sussurradas ao seu ouvido... Enquanto vestia sua calça, sorriu satisfeito. Dera para aquela prostituta a oportunidade de sonhar. De sentir, mesmo que na imaginação, o fim daquela podridão profissional. Por alguns instantes, fora para ela um verdadeiro ídolo, um Deus, uma saída, um super-herói... De uma forma ou de outra, limpara a mente daquela criança por uma noite e aguçara seus desejos, sua vontade de mudar e vencer! É isso que os super-heróis fazem, não? Modificam um simples momento de nossas vidas e nos ensinam uma lição eterna para vivê-la... Pouco importava que fosse mentira. Pouco importava se amanhã ela estivesse fazendo ponto no mesmo local. Pouco importava se, no final, tudo o que ela encontrasse fossem os trinta reais combinados na mesinha de cabeceira...


FIM

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A professora

Ela já havia tentado o suicídio antes. Cinco vezes. Mas sempre acabava desistindo. O revólver, uma Magnum 608 oito tiros, devolvida à gaveta do esquecimento.
Vez ou outra, sentia a necessidade de pegá-la novamente, de testar o seu peso, o tato frio com o ferro. Nos momentos mais íntimos, levava a arma à cabeça, o cano massageando ameaçadoramente a têmpora, sabendo que bastava puxar o gatilho para dar fim a sua existência insípida.
Apenas puxar o gatilho...
Mas então, ela pensava nos seus alunos. Oh sim, os seus alunos! Como ela os amava! Eram a única coisa que ela realmente possuía de valioso no mundo. Suas mentezinhas infantis, virgens, abertas ao saber que a professora lhes oferecia a cada lição, a cada ensinamento.
E, Deus! era tão fácil encenar para eles! Sobre o tablado, mascarar a sua vida deprimente com sorrisos de simpatia e uma felicidade sublimável suspensa no ar. Eles a adoravam, ela sabia disso! E, de certa forma, era isso que a mantinha viva, sem a coragem de acionar o revólver no momento decisivo. Eles a chamavam de volta! Chamavam-na para a vida, para a aula no dia seguinte... E, nesses momentos, ela se sentia muito feliz, amada e desejada... Como deveria ser!
Eles – seus alunos – não a julgavam. Ao contrário dos adultos com que convivia nas rodas sociais, eles não a encaravam com desdém, um olhar reprovador, ou pior, um olhar de piedade contida só porque ela era gorda.
Sim, ela era gorda! E Deus sabe como era difícil admitir isso... Tantas horas na academia, tantas dietas, tantos livros de auto-ajuda... E tudo para quê? Ela continuava a suportar os comentários furtivos, as perguntas ofensivas – Onde está aquele seu namorado da última festa, querida? – e o jogo de aparências. Tinha a certeza de que era o assunto principal nas rodas quando não estava presente, motivo de risinhos escondidos. Na verdade, podia imaginá-los gargalhando dela, rindo a valer de cada gordura evidente em seu corpo. Nas conversas diárias no conforto de seus lares, podia imaginá-los à mesa do café da manhã, comentando a noite anterior, comentando que ela engordara ainda mais e que, desse jeito, nunca conseguiria um marido e estaria fadada à solidão eterna. Criariam alcunhas, comparações e apelidos internos... Tudo para se divertirem na próxima vez em que a vissem.
E era por isso que ela precisava da arma. Precisava tê-la ali, ao seu alcance. Quando a comprara, há três anos, estava com medo dos freqüentes assaltos a residências naquela área do bairro. Era uma forma de se defender dos bandidos, caso invadissem a sua casa.
Agora, a arma tinha outra função. Servia para defendê-la do mundo, o mundo nocivo lá fora, o mundo que a desprezava por ser gorda, por não ter atrativos físicos, por não ser bonita. A arma era a fuga, o caminho alternativo para quando ela se sentia encurralada, sufocada. Era só puxar o gatilho e se livrar para sempre daquilo tudo. Deixar para trás os amigos fofoqueiros, a preocupação com o corpo, a busca incessante por um amor que nunca viria... Tão simples! Tão fácil!
Naquela manhã, ela acordou com vontade de comer um pão doce. E condenou-se por isso. Ah, ela adorava pão doce! Mas não podia, não podia mesmo! Ficaria mais gorda, mais feia, mais, mais e mais.
Para saciar a vontade, correu para a gaveta. A sua gaveta mágica. Pegou a arma num resfolegar desesperado e ficou mais calma ao senti-la em suas mãos. Carregou o revólver com uma única bala, conforme sempre fazia, levou-o à cabeça e esperou a sensação passar. A adrenalina percorrendo as suas veias, sendo expelida pelos poros.
Esperou vinte minutos, mas a sensação não passou. Diferente das outras vezes, continuou lá, perene, insistente, chamando-a a completar o serviço inacabado. Em alguns momentos, ela chegou a pressionar levemente o gatilho, bastando uma força um pouco maior para explodir a sua cabeça.
Mas o que viria depois? Teria então um mundo melhor onde viver? Nesse mundo, as pessoas não ligariam para o peso das outras? Lá, encontraria alguém que a amasse como os seus alunos?
Os seus alunos!
Lançando um olhar assustado ao relógio da cozinha, viu que estava atrasada. Dali a vinte minutos deveria estar na sala de aula, aplicando a prova bimestral para as crianças! Droga!
Por um segundo, pensou em correr, vestir apressada uma roupa qualquer, pegar o carro na garagem e tentar chegar o mais rápido possível à escola. Talvez chegasse a tempo...
Mas sequer se moveu. Porque a sensação continuava, convidando-a tentadoramente a dar um ponto final em tudo aquilo.
Continuou parada, a arma em punho.
E então, teve uma ideia. Um flash repentino que invadiu a sua mente, revelando uma solução exata. Como não tinha pensado nisso antes?!? Deus, era tão óbvio!
Levar os seus alunos com ela. Matar alguns deles e depois cometer o suicídio. A garantia de que continuaria a ser amada por eles onde quer que fossem parar depois da morte. Sim, era perfeito! O revólver suportava oito balas. Uma para ela. O restante para sete alunos adoráveis que ela escolheria na hora; alunos que, sem dúvida, adorariam morrer com ela. Sim, adorariam! Porque a amavam!
Estava tão feliz!
Extasiada, carregou o tambor com as oito balas e sentiu um arrepio ao ouvir o clique metálico da arma. Guardou-a na pasta, junto do envelope com as provas. Seria tudo tão maravilhoso! Tão divino!
Saiu de casa assoviando uma canção que inventou na hora.

“Desculpem o atraso, crianças. Tive alguns problemas antes de sair de casa.”
Entrou ofegante na sala, o relógio acima do quadro-negro registrando os dez minutos passados.
“Vamos sentar! Vou começar a prova! Guardem os estojos, apenas lápis e caneta em cima da mesa!”
Todos obedeceram as suas ordens. Eram tão bonzinhos! Seria muito difícil escolher apenas sete... Distribuiu as provas e observou-os, com um sorriso, lendo as perguntas que ela propunha. Tão dedicados e inteligentes!
Nenhum deles viu quando ela retirou a arma da bolsa. Não viram quando ela mirou o revólver em direção a suas cabecinhas, perpassando um por um.
Artur, Carol, Clara, Bruno, Mário, Lucas, Vera...
Todos tão queridos! Tão especiais!
Caminhou pela sala, a mão com o revólver estendida para trás.
Parou ao lado do Caio. Sem dúvida, ele seria um dos sete... Os cabelos loiros caindo sobre a testa, os argutos olhinhos azuis que acompanhavam as explicações dela no quadro. Ele era adorável... Teria que ir com ela nessa jornada... Nessa jornada iminente.
E a Joana? Ah sim, ela também estava escolhida! Os cabelos ruivinhos encobrindo a prova sobre a carteira. A Joana a amava! Gostava dela como de uma mãe... Trazia presentinhos e chocolates quase todo mês! Agora era o momento de retribuir todo esse carinho... Teria o privilégio de ser uma das sete. Uma das sete escolhidas.
Anabela levantou o braço e a professora se aproximou solícita para sanar a dúvida... Pobre Anabela! De bela, só tinha o nome... Possuía uma personalidade forte para os seus onze anos, era comunicativa e talentosamente persuasiva... Daria uma ótima advogada. Ou, talvez, uma ótima professora... Sim, ela seria professora, sem dúvida. Exatamente como ela. Uma mulher inteligente, profissional... Mas feia. Feia e gorda. E, assim sendo, acabaria exatamente como ela... Cometendo suicídio, percebendo que acabar com a própria vida é a melhor solução nesse mundo de pessoas magras...
Ela também levaria Anabela. Não porque gostasse especialmente dela – preferia os alunos magros e bonitos -, mas para fazer um favor para a menina. Poupá-la dos anos de tortura e recusa, poupá-la de ouvir os risinhos sacanas a suas costas, poupá-la de toda a dor...
Encostou-se na parede do final da sala, sentindo o coração bater mais forte. Faltava pouco. Estudou as cabecinhas pensantes, inocentes, dedicadas a tirar uma nota dez para alegrar a mãe no fim do mês.
Escolheu os outros quatro sem muita dificuldade.
Sete alunos. Quatro meninos e três meninas.
Caio, Artur, Mário, Pedro, Joana, Clara e Anabela.
Sete sortudos que partiriam com ela.
Os tiros causariam um grande alvoroço no colégio. Sem dúvida, poderiam ouvir os estampidos a quilômetros de distância. A polícia chegaria logo. Ela teria que agir com rapidez...
Respirando fundo, mirou na cabeça de Anabela a poucos centímetros. Sem chances de erro.
Sentiu a alavanca do gatilho brincar com o seu indicador, provocando-o. Fechou os olhos ao puxar o gatilho, deixando que os gritos infantis respondessem ao seu ato. Ouviu passos, o ranger das carteiras, correria... Eles estavam fugindo! Malditos! Estavam fugindo! Como poderiam fazer isso com ela?!?
Deu outro tiro ao léu.
E então, abriu os olhos. Ali estava ela, a menina Anabela, morta. A cabeça empapando de sangue a prova sobre a carteira. O corpo rechonchudo transformado num monte de carne fria e flácida.
E a sala vazia. Os outros a tinham abandonado. Traidores! Medrosos! Haviam optado por continuar nessa vida ingrata, nesse mundo de dietas...
Apenas Anabela estava ao seu lado. Apenas Anabela não a havia traído. Tinha ficado ali, morta, sua imagem e semelhança quando criança. Gorducha e inteligente.
Eram como mãe e filha... Sim, mãe e filha!
Teve vontade de chorar. Mas não havia tempo. Não lhe restava mais nem um segundo sequer. Logo a polícia chegaria.
Caminhou pesadamente em direção ao tablado, seus quarenta e nove quilos dificultando cada passada. Ela era gorda. Sabia disso. E ninguém haveria de lhe dizer o contrário. O espelho não a deixava se enganar. Era só comparar com as mulheres esguias nas revistas, com as modelos na televisão... Era gorda e pronto. Deveria seguir o seu destino, junto de Anabela. Calar os comentários, as críticas e as piadinhas que faziam dela... Calar a todos.
Lançou um último olhar a Anabela. Gorda e feia.
E, então, puxou o gatilho.

Suicidas, livro de R. Montes - Em breve

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